Coluna - Gol de placa
A descoberta, aos sete anos, de que tinha a distrofia muscular de Duchenne (DND), fez com que o sonho de ser jogador de futebol e seguir os passos do ídolo Zico parecesse distante para Ramon de Freitas. Até que a vida o apresentou a outro tipo de futebol: o power soccer, praticado em uma cadeira de rodas motorizada. A trajetória do jovem, falecido em 2016 e que se tornou o primeiro atleta da modalidade na América Latina, virou livro. “O Gol de Rodas” será lançado nesta segunda-feira (7), Dia Mundial de Conscientização sobre a doença, durante uma live, às 18h (horário de Brasília), no canal Casa Hunter, no YouTube.
A DND é genética e degenerativa, afeta a musculatura e atinge um a cada cinco mil meninos no mundo, podendo levar à morte no princípio da fase adulta ou já na adolescência. A enfermidade não tem cura, mas pode ser tratada. Por isso, diagnosticá-la cedo é fundamental para uma melhor qualidade de vida. Ramon faleceu aos 25 anos, mas superando a expectativa dos médicos, que era de que ele vivesse entre 14 e 19 anos. Além de tirá-lo da depressão, o esporte o trouxe longevidade, mesmo em meio a uma doença grave.
“O power soccer foi uma resposta da fé do Ramon e das buscas incessantes por um esporte que ele pudesse praticar, visto que a rotina [desde os 14 anos] tinha passado a ser na cadeira de rodas. Ele conheceu o projeto Praia Para Todos, do Instituto Novo Ser, aqui do Rio de Janeiro. O Ramon não ia à praia há 10 anos e viu a possibilidade de voltar a tomar banho de mar. E foi através do instituto que veio o convite para jogar o power soccer”, recorda Liliana Freitas, mãe de Ramon.
“Trabalho com pacientes neuromusculares, que necessitam de suporte ventilatório [para auxílio da respiração]. O Ramon foi meu paciente. Uma lição de vida que eles me deram foi sobre como é ser um Duchenne no país do futebol. Aos sábados, enquanto os outros meninos vão jogar pelada no campinho, eles vão para a cadeira de rodas. Isso, na adolescência, é um marco de depressão”, recorda a fisioterapeuta Fernanda Batista, uma das autoras do livro. “Quando o Ramon foi apresentado a uma modalidade em que ele podia jogar futebol na cadeira de rodas, isso deu luz e sentido a vida dele”, emenda.
O time de power soccer do Instituto Novo Ser foi criado em 2011. Quem fazia a divulgação, por assim dizer, era o próprio Ramon. “Ele começou a mobilizar todos os pacientes do consultório da doutora Alexandra, que era a médica dele”, lembra Fernanda, que se tornou a fisioterapeuta respiratória da equipe. “Ele se sentia muito orgulhoso. O Brasil foi o primeiro da América Latina onde foi fundado um time de power soccer. Depois, divulgamos [a modalidade] para a Argentina e o Uruguai”, completa Liliana.
Segundo a mãe de Ramon, o esporte trouxe a ele “alegria, gratidão, satisfação, saúde e amigos, nacionais e internacionais”. Não menos importante, permitiu que o jovem realizasse o sonho de ser um jogador de alto rendimento, com direito a título internacional. “Jogamos a Libertadores no Uruguai, no período em que a seleção brasileira [de futebol] tinha levado o 7 a 1 [para a Alemanha, na Copa do Mundo de 2014]. Pois eles [Novo Ser] foram campeões invictos, ganharam dos argentinos na final, e trouxeram a taça para cá”, recorda Fernanda.
A importância de Ramon para o movimento do power soccer no continente foi tamanha que, em 2017, um ano após o falecimento dele, a taça da Libertadores da modalidade recebeu o nome do jovem. “Foi sugestão do pai de um atleta argentino. A homenagem nos orgulha muito. É o Ramon sempre acendendo uma centelha, dando uma luz de alegria, de esperança, passando uma mensagem de vamos em frente, vamos continuar”, lembra Liliana.
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A nova homenagem é o livro que será lançado nesta segunda. Publicado pela editora Construtores de Memórias, a obra também tem autoria da educadora física Patrícia Vigário, com ilustrações da fisioterapeuta Débora Lima. “Eu e o Ramon chegamos a pensar como seria o livro que escreveríamos juntos, e que ainda escreverei. Nessa publicação, tendo o Ramon como inspiração, vejo mais um sonho dele se tornar realidade. Penso na alegria dele e que as pessoas, ao lerem a história, sintam que podem ter uma vida boa, agradável, mesmo que as dificuldades persistam”, diz a mãe.
A obra é voltada, principalmente, ao público infantojuvenil. “Acho que precisamos falar sobre sucesso para crianças e adolescentes, que é possível alcançá-lo, com ou sem deficiência, e mostrar que o mundo tem de ser inclusivo de todas as formas”, explica Fernanda. “O esporte empodera e dá esse lugar de destaque. O Ramon ajudou essa comunidade a ter um espaço no campo de pelada. E essa história precisa ser contada, mostrando o que pode ser feito por meio do esporte adaptado”, conclui.
“O Gol de Rodas” tem uma versão em audiobook, que pode ser acessada pelo QR Code que está na primeira página do livro. A obra é vendida pela internet e o lucro será revertido em apoio ao time de power soccer Novo Ser.
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